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Dissecando a BDIT - uma análise sobre o atendimento a RN 861/2019 - ANEEL

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica publicou no diário oficial da união em 26 DE NOVEMBRO DE 2019 a RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 861. A partir desta publicação todas as concessionárias que operam linhas de transmissão de energia no Brasil precisam entregar a Base de Dados das Instalações de Transmissão de Energia Elétrica – BDIT que compreende todas as informações técnicas e cadastrais dos ativos de transmissão no Brasil.

O ONS, agente responsável por executar as atividades de coordenação e controle da operação do Sistema Interligado Nacional – SIN, deve certificar-se de que essas instalações de transmissão atendam aos requisitos estabelecidos no instrumento técnico e nos Procedimentos de Rede, e será a entidade responsável por receber e validar as bases preparadas e enviadas pelas concessionárias dentro dos prazos acordados. Portanto esta Resolução Normativa é um instrumento para controle da base de informações de transmissão de energia resultado de uma articulação entre o Ministério de Minas e Energia, ANEEL e ONS.

Entende-se que a motivação desta resolução é aumentar o conhecimento sobre as redes de transmissão e a capacidade de gestão e redução de riscos na operacionalização do Sistema Interligado Nacional (SIN).

O SIN possui aproximadamente 150 mil km em linhas de transmissão e a gestão destes ativos é um desafio territorial, o ONS realiza uma coordenação centralizada da operação, com capacidade de manobras e intercâmbio de energia entre os Subsistemas de geração, atuando no planejamento, na operação em tempo real e na pós operação com a investigação de falhas e possíveis riscos ao funcionamento de todo sistema, é na pós operação que o ONS divulga os resultados para os agentes do setor, os órgãos governamentais, normativos, fiscalizadores e para a sociedade.

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Foto retirada do site: http://www.ons.org.br/

Porem o gerenciamento do ONS é realizado com o perfil esquemático da rede de transmissão, as linhas não estão georreferenciadas no painel de controle. O mapeamento das linhas de transmissão com o cadastro de seus equipamentos é um dos principais motivadores da criação da BDIT.

Presenciei em 2013 o trabalho investigativo da ANEEL para encontrar as causas do incidente que ocasionou um dos maiores desligamentos do SIN em toda a década, quando uma queimada em Canto do Buriti no Piauí deixou parte da Região Nordeste por algumas horas sem fornecimento de energia. Uma das grandes preocupações era a falta de informação quanto ao posicionamento das linhas, como estávamos a 1 ano da copa do mundo um outro incidente poderia ter prejuízos ainda maiores. Ja em 2013 satélites ja monitoravam e identificavam em tempo quase real o surgimento de focos de queimadas, os modelos de Geoprocessamento ja eram capazes de produzir mapas de risco sobre queimadas de acordo com o mapeamento da cobertura vegetal e índices de biomassa, porém a gestão de risco no setor de transmissão tinha um ponto fraco: o georreferenciamento das Linhas de Transmissão.

Como monitorar riscos e gerenciá-los se não é possível sistematizar as cercas virtuais (área virtual em torno das linhas que em um sistema de monitoramento podem ser configuradas para disparo de alertas de acordo com proximidade de focos de queimadas X susceptibilidade da vegetação) de uma maneira generalizada para todo o país? 

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Mapa esquemático do SIN

Algumas empresas de transmissão a 6 anos atrás não possuíam nem mesmo plantas físicas com a localização correta de alguns ativos, ficando a critério das equipes técnicas garantir a manutenção e fiscalização dos ativos pelo conhecimento empírico da localização.

Sanar este gap de informação passou a ser um dos grandes desafios do setor de transmissão, que vem expandido os investimentos com projetos completos e mapeamentos precisos, porém há ainda uma grande quantidade de ativos com mais de 20 anos de implantação e sem informações precisas de localização e cadastro de equipamentos desatualizado.

Além do monitoramento de queimadas, o georreferenciamento dos ativos é imprescindível para investigações quanto a desligamentos por descargas atmosféricas, vandalismo, invasões nas faixas, gestão de poda, monitoramento de processos erosivos, gestão eficiente de equipamentos como mapas de idade de isoladores por LTs, mapas com danos em equipamentos e identificação de padrões espaciais, já o cadastro completo de informações permite um conhecimento ainda maior sobre idade de equipamentos, modelos, substituição, organização, atualização por troca de equipamentos e gestão completa dos ativos.

Neste contexto de avanço tecnológico permitindo diagnósticos e monitoramentos cada vez mais precisos que a RN 861 foi publicada trazendo a obrigatoriedade do cadastro e mapeamento de ativos de transmissão. 

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Portanto a BDIT surge como uma importante ferramenta de gestão territorial que usa a Geografia como forma de representar os ativos e todos os diversos agentes envolvidos na operacionalização da rede de transmissão. O denominador comum entre inspeções, trocas de equipamentos, monitoramento por satélite, drones e vistorias passará a ser o território. Desta forma entendemos que mais aplicações e sistemas construídos com o território como base nos chamados SIG – Sistemas de Informação Geográfica serão utilizados no setor, pois é o meio mais estratégico de se integrar diferentes processos de negócio, sendo que todos acontecem no mesmo local. Esta integração proporciona uma complementariedade sobre custos, gerando autonomia e redução de riscos. A base cadastrada e mapeada é só o início de uma gestão cada vez mais eficiente.

Principais aspectos da Resolução:

A entrega da base é anual, até 31 de março de cada ano, as Transmissoras devem atualizar os dados relativos à condição das instalações sob sua concessão em 31 de dezembro do ano anterior.

A entrega regulatória é uma conciliação do cadastro técnico de ativos, estruturação de todos os equipamentos e informações sobre os equipamentos com a base física georreferenciada, permitindo a criação de banco de dados geográficos nas empresas que pode ser integrado com a base de gestão de ativos oferecendo um sistema sincronizado entre atualizações de manutenção com a entrega anual da BDIT.

A automatização do cadastro via ferramentas de ETL é uma realidade parcial dada as características dos dados solicitados, encontramos grande parta das informações em plantas e desenhos técnicos, modelos elétricos complexos, onde não há como automatizar e neste sentido depende de equipes especializadas na interpretação destes desenhos para um cadastro correto e completo.

Durante a execução do cadastro é fundamental para as concessionárias um envolvimento multidepartamental para o “garimpo” dos dados solicitados, estamos executando o cadastro da BDIT, e o envolvimento de especialistas nos departamentos da concessionária é imprescindível para a disponibilização das informações necessárias ao cadastro técnico.

Os dados Geográficos serão entregues com duas possibilidades de escala, a primeira com uma precisão intermediária para dar tempo de as concessionárias mapearem os ativos, já a segunda prevista para 3 anos após a primeira entrega obriga as transmissoras a atender um padrão de alta precisão sobre o mapeamento. Nesta questão faço uma reflexão, sobre a real necessidade de uma precisão tão alta para a entrega regulatória:

Já expomos aqui alguns exemplos de benefícios que o mapeamento preciso da rede trará para o setor elétrico, benefícios estes tanto para a regulação, fiscalização quanto para a operação e manutenção das Linhas. Porém ao solicitar um mapeamento com 1m de precisão horizontal referente ao centroide da torre de transmissão, entendo que estamos exigindo algo além no necessário para estes benefícios citados e outros que possam vir quando se avalia o custo benefício por trás da exigência. Vamos aos fatos:

O custo de mapeamento nestas condições é muito alto e onera bastante as empresas do setor, temos hoje tecnologia e satélites em orbita com qualidade e disponibilidades de imagens diariamente, onde poderíamos alcançar uma precisão próxima a 10m do centroide em relação a base da torre.

Veja a situação na imagem a baixo, a base de uma torre de transmissão possui em média de 40 a 60 m² quando expomos os benefícios por trás do mapeamento falamos de monitorar queimadas, descargas atmosféricas, poda, fiscalização e manutenção correta dos ativos, mas quando falamos de uma situação onde grande parte das Linhas no país não possuíam georreferenciamento, saímos de um cenário totalmente as cegas para uma exigência de 1m do centroide da base da torre.

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Fonte: Google Earth

 Para todos estes benefícios expostos em minha opinião uma precisão de 10m não faria diferença prática para os monitoramentos, fiscalizações e vistorias, mas na conta orçamentária fará uma diferença na casa de milhões de reais para as concessionárias que precisam investir em topografia de campo, aerofotogrametria ou outros métodos com alto custo financeiro para atingir a precisão exigida em milhares de quilômetros de linhas. Quando trabalhamos com monitoramentos por satélite em escala territorial como o caso de uma Linha com sua faixa de servidão a identificação dos alvos permitiria tal precisão para realização dos estudos e gerenciamento de riscos. Reforço o caráter reflexivo sobre este apontamento e gostaria muito de debater com as concessionárias, Associações, e ANEEL /ONS sobre esta e outras situações do atendimento regulatório.

A seguir uma imagem do satélite Cbers 4A lançado em 2019 em parceria dos governos brasileiro e chinês e que possui distribuição gratuita de imagens pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE e possui uma resolução espacial de 2m na banda pancromática, e que poderia ser utilizado para o mapeamento das torres, caso houvesse uma precisão menor exigida. 

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WPM image – True-color composite, 2m panchromatic band/8m multi-spectral merged, 2km by 2km crop (LhaSa, Tibet province).

Sobre o modelo de dados que análisamos da Resolução Normativa, segue algumas considerações:

A BDIT possui 25 entidades diferentes, sendo 22 referentes a subestação e 3 referentes à linha de transmissão. Cada entidade possui atributos e anexos que devem ser levantados e informados para o ONS. Atributos são informações cadastrais dos equipamentos e os anexos são documentos vinculados à esses equipamentos.

Na Subestação:

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[1] Subestação propriamente dita, é a entidade com primitiva geográfica que representa a sua localização pontual.

Linha de Transmissão:

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[1] Linha de Transmissão propriamente dita, é a entidade com primitiva geográfica que representa a sua localização linear.

[2] Espaço entre as torres adjacentes em uma LT, possui primitiva geográfica linear representando sua localização.

[3] Localização pontual da torre de transmissão, possui primitiva geográfica pontual.

Totalizando 1046 atributos a serem coletados assim como 47 tipos de documentos que serão anexados.

A primeira versão, de quais seriam os equipamentos/estruturas a serem cadastradas assim como quais atributos seriam levantados, veio no anexo 1 do submódulo 2.2 “Verificação da conformidade das instalações de transmissão aos requisitos mínimos”.

Apesar deste submódulo já apresentar em alguma medida como será estruturado os dados cadastrais a serem levantados, como a tipologia, classificação e até alguns breves exemplos, conforme figura abaixo:

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Não se deixa claro em qual formato se deve enviar estes dados. E quando se pensa em sistema esses detalhes são importantes a fim de não ocorrer mal entendimentos e confusões.

Um exemplo é em transformador nos casos de unidades reserva. O documento deixa claro que quando há unidade reserva deve ser informado o tempo de substituição, mas não diz onde ou como.

Ainda em transformador, em tensão, é afirmado que o dado deve ser em formato numérico, mas os transformadores possuem mais tensões a fim de realizar a transformação. Desta forma apresentar dois valores ou mais em um único atributo se torna inviável.

Além deste tipo de ocorrências há casos de erro, seja de formatação ou de digitação mesmo, que criam dúvidas e indecisões. Como exemplo, no compensador estático o dado “modelo computacional” é tido como numérico, mas na realidade são arquivos anexos.

Mesmo com esses “problemas” criamos a base de dados a fim de já deixar preparado para a consequente coleta. Em alguns casos foi possível utilizar o bom senso em outros foi escolhido arbitrariamente qual abordagem adotar. Claro que sempre com objetivo técnico. E foi montado no formato de planilha eletrônica o primeiro modelo, quase que fidedigno ao submódulo.

Em um momento posterior tivemos acesso a um novo documento, desta vez, bem mais técnico, onde era possível ver como se espera (por parte do ONS) o formato dos dados. Este documento detalha como será a integração entre dados do SAGIT com o que está sendo solicitado no BDIT.

Como os dados agora estão em um formato computacionalmente inteligível. Notou-se que algumas decisões que tivemos previas se concretizaram, enquanto outras houve outro entendimento e devidamente corrigidas.

Mas não teve apenas detalhamentos sobre os dados, há, principalmente em transformadores e disjuntores, mas não somente, um novo conjunto de atributos que antes não haviam sido mencionados. Podemos citar o transformador, onde entrou 73 novos atributos e foram excluídos 16. O que gerou retrabalho considerável e volume de trabalho não previsto. Além dos atributos específicos de cada equipamento, teve a inclusão de 3 a 4 atributos (depende do equipamento) que estão em todos os dados. (MRID, Id do agente proprietário, descrição e lista de documentos por meio de ID)

Este documento, mostrando de fato a natureza dos dados, facilitou a consolidação do modelo, assim como a coleta subsequente. A seguir uma figura com um exemplo da documentação mostrando os atributos de um transformador (nome padronizado) assim como os valores.  

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Pela quantidade de campos presentes, ainda não foi possível fazer uma análise completa e inequívoca sobre a operacionalidade do preenchimento de todos eles. Ainda tem alguns “erros” como caracteres especiais no nome dos atributos. E atributos que tem a mesma finalidade em entidades diferentes, mas com nome fora de padrão. Porém até o momento não se encontrou nada que inviabilize o preenchimento de qualquer atributo.

Mas uma questão se tornou aberta em relação aos anexos, há nas entidades que possuem anexo um atributo (lista de documentos). Onde deve ser preenchido com o ID do documento enviado ao sistema. Isto, contudo obriga que o envio de anexos seja feito a priori em relação ao envio dos dados cadastrais. Para aí assim preencher este valor gerado pelo sistema nos atributos dos equipamentos. Isso pode ser um agente que deixe o processo de envio dos dados cadastrais mais lento.

Por fim entendemos que o conhecimento sobre os dados eleva a capacidade de gestão a um nível ainda inédito no setor de transmissão brasileiro e servirá de impulso para novas soluções e uma verdadeira corrida tecnológica para otimizar ainda mais a operação e manutenção das Linhas e Subestações. Analisar os resultados da BDIT sob uma ótica de ciência de dados fará uma mudança na forma de entender o setor elétrico, os números da BDIT serão impressionantes como magnitude do Sistema Interligado Nacional, o maior sistema de transmissão de energia em alta tensão do mundo.

A OPT vem se especializando no setor elétrico e busca traduzir avanços tecnológicos e inovação para aplicação direta no mercado de energia elétrica. A OPT é tecnologia e conhecimento geográfico a serviço do setor elétrico no Brasil.

Escrito por

Marcos Vilela

Função: Especialista GIS para Energia e Meio Ambiente
https://www.linkedin.com/in/Marcos Vilela/

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